quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A nova lei dos crimes sexuais e as principais alterações

No dia 7 de agosto entrou em vigor a Lei. 12.015/2009 que promoveu mudanças significativas no Código Penal, nos capítulos que tratam dos crimes sexuais. E, também, alterou a lei dos crimes hediondos (Lei. 8.072/90).
Neste artigo, abordaremos as principais alterações, sem esgotar o assunto, haja vista a complexidade do tema.
Apesar de recente, a lei já vem dando o que falar. Como vimos no caso do italiano preso e indiciado em Fortaleza sob a alegação de ter praticado o crime de estupro de vulnerável, por ter beijado a filha de 8 anos em uma praia cearense.
Começaremos a análise pela denominação dada ao Título VI do Código Penal, que a partir da publicação da lei em comento, passa a se chamar Dos Crimes contra a Dignidade Sexual, em substituição ao antiquado Dos Crimes contra os Costumes.
Andou bem o legislador ao alterar o título porque mais condizente com a realidade, uma vez que a antiga denominação se referia à conduta sexual determinada pelas necessidades ou conveniências sociais que não mais se justifica em razão da liberdade que os membros da sociedade dispõem de adotar hábitos sexuais, ainda que, para alguns, sejam imorais ou inadequados.
A segunda alteração a merecer destaque é a fusão dos artigos 213 (estupro) e 214 (atentado violento ao pudor) do Código Penal (CP) e a nova configuração de sujeito ativo (quem pratica o crime) e sujeito passivo (vítima) do estupro.
Pela nova lei, o atentado violento ao pudor deixa de existir como crime autônomo e passa a integrar o crime de estupro. Ou seja, responderá por estupro aquele que constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou a permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Em outras palavras, comete o crime de estupro aquele (a) que obriga outrem a manter relação sexual de qualquer natureza, mediante violência ou grave ameaça.
Ressalte-se que a pena para o tipo simples (aquele que está na cabeça do artigo 213 do Código Penal) continua a mesma, 6 a 10 anos de reclusão. E foram incluídos parágrafos que estabelecem os tipos qualificados, mais graves que o simples.
Perceba que agora a lei fala em “alguém” e, não mais, em mulher, como acontecia antes. Isso significa que qualquer pessoa pode ser vítima ou autora do crime de estupro.
Contudo, o legislador perdeu excelente oportunidade, talvez por falsos pudores, de explicitar o alcance da expressão “ato libidinoso”, já que este compreende desde o sexo anal, passando pelo oral, e chega até mesmo a um beijo de língua.
Novidade marcante foi a criação do “estupro de vulnerável”, previsto no artigo 217-A, em substituição ao estupro com presunção de violência (antigo art. 224) .
O novo dispositivo legal prevê pena de 8 a 15 anos para aquele (a) que tiver conjunção carnal ou praticar atos libidinosos com menor de 14 anos. Para os efeitos da nova lei, são considerados vulneráveis, também, aqueles (as) que, por enfermidade ou deficiência mental, não têm o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Os parágrafos terceiro e quarto do mencionado artigo 217-A prevêem as formas mais severas cujas penas variam de 10 a 20 anos, quando resultar lesão corporal de natureza grave e 12 a 30 anos, quando ocorrer morte.
Nesse ponto é preciso fazer uma observação. Atente que a pena cominada ao estupro de vulnerável, na forma simples, varia de 8 a 15 anos e a cominada ao homicídio simples (art. 121 do Código Penal) vai de 6 a 20 anos.
Os bens jurídicos tutelados, por óbvio, são diferentes. No primeiro, a liberdade sexual. No segundo, a vida. Este mais valioso que aquele.
Portanto, verifica-se uma desproporção em relação à pena mínima aplicável aos dois delitos. Por esse e outros motivos, como o alcance da expressão “ato libidinoso”, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, ao comentar a alteração legislativa, recomenda prudência na aplicação da nova lei.
Segundo ele “Sem dúvida nenhuma é preciso interpretar a lei, sobretudo com essas mudanças que podem levar a conclusões mais radicais, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, critérios muito utilizados na hermenêutica moderna”.
É inegável o intuito do legislador de proteger a vítima menor de 18 anos. Razão disso, são a alteração do artigo 218 e a inclusão dos artigos 218-A e 218-B, os quais estabelecem punição para a corrupção de menores, para a satisfação do prazer sexual mediante presença de criança ou adolescente e para o favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável.
Embora em desuso, o artigo 234 permaneceu. Ou seja, quem produzir, comercializar, adquirir, qualquer objeto obsceno, cometerá o crime previsto nesse artigo. Logo, as “SexShops” continuam praticando crime.
Modificação relevante foi introduzida pelo artigo 234-A ao estabelecer aumento de pena quando dos crimes sexuais resultar gravidez e o agente passar à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, como o vírus da AIDS.
O artigo 225 modificou a forma pela qual o processo para apuração dos crimes sexuais será iniciado.
Antes, a regra era a ação penal privada. Dessa forma, para a instauração do processo era necessária a iniciativa da vítima. Se ela não quisesse, o processo não seria instaurado.
Hoje, a regra é a ação penal pública condicionada à representação. Ou seja, a titularidade da ação penal é do Ministério Público, mas como condição de procedibilidade é exigida a manifestação da vítima. Isso significa que sem essa condição, a ação penal não poderá ser iniciada.
Entretanto, se a vítima for menor de 18 anos ou pessoa vulnerável, a ação será pública incondicionada, não depende do aval da vítima ou de quem a represente, pois o interesse do Estado se sobrepõe ao do sujeito passivo.
Por fim, o artigo 1º, incisos V e VI da Lei. 8.072/90 (lei dos crimes hediondos) agora prevê, expressamente, como hediondos o estupro na sua forma simples, qualificada e o estupro de vulnerável. Isso traz, por consequência, todas as privações impostas pela referida lei, como: cumprimento da pena em regime inicialmente fechado; impossibilidade de obtenção de liberdade provisória, com fiança; considerável aumento do prazo para livramento condicional, dentre outros.
Como se vê, a Lei. 12.015/2009 trouxe uma série de modificações. Algumas positivas e outras, nem tanto. O legislador ainda conserva determinados conceitos que não condizem com a realidade e demonstra um certo pudor que pode levar à interpretações radicais.
Portanto, só nos resta esperar que os operadores do Direito, ao interpretar a lei, lembrem-se do bom senso e produzam os resultados que a sociedade espera.
Darlyane Mourão Chaves

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