quinta-feira, 22 de abril de 2010

O que são excludentes de ilicitude?

No dia 11 de abril, o programa da Rede Globo “Fantástico” exibiu um teste realizado em parceria com os fiscais do Crea, o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Ergonomia, para avaliar se as cercas elétricas que protegem casas e prédios estão dentro das normas de segurança. Na reportagem, foram relatados, inclusive, casos de pessoas que morreram ao receber o choque elétrico.
Essa reportagem tem a ver com o tema que será abordado no artigo desta semana: as causas excludentes de ilicitude, também chamadas de excludentes de antijuridicidade ou justificantes (tornam justa a prática de um crime).
Segundo o artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Ou seja, para que uma conduta seja considerada crime é preciso, antes de mais nada, que haja uma lei anterior à prática dela, descrevendo-a de forma detalhada, em termos precisos.
Todo fato definido em lei como crime contém um caráter indiciário da ilicitude, passa a incidir sobre ele uma presunção de que seja ilícito – contrário ao ordenamento jurídico.
Vamos simplificar o raciocínio? A atitude de José ao desferir tiros contra seu desafeto está prevista em lei como crime. Concorda? Ocorreu um homicídio (art. 121 do Código Penal). Pesa, portanto, sobre essa conduta a presunção de ilicitude. Todavia, essa presunção pode ser afastada pelas excludentes de antijuridicidade. Isto é, o fato não deixa de ser considerado crime, mas o Estado o considera lícito e o agente não será condenado e, por conseguinte, não cumprirá pena por tê-lo praticado.
Na parte geral do Código Penal (CP) estão previstas quatro causas que excluem a ilicitude do fato e são aplicáveis a todas as condutas estabelecidas na Parte Especial ou em leis especiais (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal). Na parte Especial do CP estão previstas outras causas válidas apenas para alguns delitos, como é o caso do aborto praticado por médico quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (art. 128, I, CP).
A legítima defesa, sem dúvida, é a mais conhecida. Segundo o artigo 25 do CP, age em legítima defesa quem pratica um crime para repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente os meios necessários.
Da afirmação feita acima, podemos destacar alguns requisitos indispensáveis para que seja caracterizada a legítima defesa: agressão injusta; atual ou iminente; moderação na defesa, utilização dos meios necessários e a consciência de que está em legítima defesa.
Agressão, segundo Frederico Marques, Tratado de direito penal, v. 2, p. 149, é a conduta humana que põe em perigo ou lesa um interesse juridicamente protegido.
Entende a doutrina majoritária que injusta é aquela que contraria o direito, mas não necessariamente constitui crime.
Essa agressão injusta deve ser atual - está acontecendo (presente) - enquanto a iminência é a que está em vias de acontecer (futuro imediato). Não é possível se defender de agressões passadas ou futuras a longo prazo.
O artigo 24 do CP estabelece que age em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
O exemplo clássico apontado pela doutrina é o do náufrago que para se salvar, mata o companheiro. Cito um exemplo mais prático: imagine que alguém toma um veículo alheio, sem autorização do proprietário, para prestar socorro e salvar a vida de outrem. Essa pessoa agiu em estado de necessidade.
Observe que o indivíduo que deu causa ao perigo, não poderá invocar o estado de necessidade e é preciso que haja proporcionalidade entre o bem sacrificado e o bem salvo. Utilizando o exemplo acima, não é razoável que o dono do veículo se recuse a prestar socorro a alguém ferido, sob a alegação de não querer sujar o automóvel.
O estrito cumprimento do dever legal é, nas palavras de Guilherme de Souza Nucci “ ação praticada em cumprimento de um dever imposto por lei, penal ou extrapenal, mesmo que cause lesão a bem jurídico de terceiro”. Quer um exemplo?
Quando um oficial de justiça, munido de mandado de busca e apreensão (sobre a diferença entre mandado e mandato, veja: http://odireitoevoc.blogspot.com/2009/05/be-ba-juridico_08.html ) arromba e entra à força, durante o dia, em uma residência para efetuar a prisão de alguém, age em estrito cumprimento do dever legal.
Ou seja, é crime, de acordo com o artigo 150 do Código Penal, entrar ou permanecer clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências. Entretanto, o oficial de justiça está amparado pelo estrito cumprimento do dever legal.
O exercício regular de direito, por sua vez, é, conforme conceito apontado por Guilherme de Souza Nucci, “o desempenho de uma atividade ou prática de uma conduta autorizada por lei, que torna lícito um fato típico. Se alguém exercita um direito, previsto pelo ordenamento jurídico, não pode ser punido, como se praticasse um delito”.
Ainda utilizando o exemplo do oficial de justiça, imagine que ele vá cumprir o mandado de prisão à noite. Nessa situação, o morador pode impedir a entrada dele, embora haja mandado porque a Constituição estabelece no artigo 5º, inciso XI, a casa como asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
Feitas essas observações, vamos analisar o caso das cercas elétricas. Há no Direito, um instituto chamado ofendículos que são os obstáculos ou empecilhos instalados para defender não apenas a propriedade, mas qualquer outro bem jurídico. As cercas elétricas são um exemplo.
Não há consenso entre os autores acerca da natureza jurídica deles. Uns os consideram como exercício regular de um direito; outros, legítima defesa. O fato é que em um ou noutro caso, a consequência será a mesma: exclusão da ilicitude.
Contudo, para finalizar, as cercas elétricas devem ter avisos ostensivos sobre o perigo, devem ser úteis para repelir invasões, ou seja, o choque não deve ser fatal, e qualquer excesso fará com que o proprietário responda pelo resultado típico causado por dolo ou culpa ( sobre os crimes dolosos e culposos, veja: http://odireitoevoc.blogspot.com/2009/09/e-comum-que-imprensa-ao-noticiar.html ).
Darlyane Mourão Chaves

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