quinta-feira, 30 de julho de 2009

O dever de sustento e a prisão por dívidas.

O dever de sustento é decorrente do poder familiar. E é responsabilidade comum dos genitores a obrigação de prestar aos filhos, enquanto civilmente menores, o necessário à sua sobrevivência, proporcionando-lhes, com tal escopo, alimentação, vestuário, educação, moradia, lazer, assistência à saúde, medicamentos, entre tantas outras coisas.
Ele resulta de imposição legal dirigida a determinadas pessoas, ligadas pelo vínculo familiar; é unilateral e deve ser cumprido incondicionalmente.
Lembra Clóvis Beviláqua: “Diz a razão que aquele que vem ao mundo, pelo simples fato de nascer, tem direito à existência; e a justiça proclama que tem obrigação de prover a subsistência do filho quem o chamou à vida.” (Clóvis Beviláqua. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1926, vol. II, p. 263)
A obrigação alimentar origina-se também de imposição constitucional, artigo 229, que assegura que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.
Segundo o ensinamento de Orlando Gomes, alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si, em razão de idade avançada, enfermidade ou incapacidade, podendo abranger não só o necessário à vida, como a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação, mas também outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social.
No caso dos filhos incapazes, o dever de alimentar é exigido independentemente da situação financeira do devedor, pois ele deverá ser atendido mesmo com sacrifício dos pais, pois é sagrado o socorro ao menor.
Por isso, o não cumprimento do dever de prestar alimentos aos filhos menores pode caracterizar os crimes de abandono material, moral e intelectual previstos nos artigos 244 a 246 do Código Penal, ensejando ainda a suspensão e a extinção do poder familiar.
Existe, ainda, caso o devedor deixe de cumprir a sua obrigação alimentar, a possibilidade de o credor intentar ação de alimentos para garantir-lhe a subsistência. E uma vez reconhecida e constituída judicial ou extrajudicialmente, os alimentos poderão ser exigidos pelo interessado. Caso não ocorra por parte do devedor disposição de pagar amigavelmente o débito, poderá ele ser coagido a fazê-lo através de ação de execução. Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz poderá decretar a prisão pelo prazo de um a três meses, caso não seja comprovado o pagamento ou a impossibilidade de fazê-lo.
E foi justamente esse assunto que veio à tona na imprensa, quando Romário foi preso por não pagar devidamente a pensão alimentícia devida aos filhos do seu primeiro casamento. Como na reportagem do site UOL que noticiou: “O atacante Romário foi preso pela polícia do Rio de Janeiro neste sábado depois de atrasar os pagamentos de pensão alimentícia dos seus filhos, declarou o seu advogado a uma rádio brasileira” (http://noticias.uol.com.br/ultnot/reuters/2004/08/07/ult27u43525.jhtm).
É que o inadimplemento da obrigação alimentar decorrente do dever de sustento é o único caso de prisão civil por dívida previsto constitucionalmente. Já que a prisão do depositário infiel não é mais possível, pois foi revogada pelo pacto de São José da Costa Rica, segundo entendimento do STF em recente julgado. Assunto esse que será objeto de outro artigo.
A manutenção da prisão civil do devedor de alimentos tem por finalidade proteger o direito de subsistência do dependente, aqui considerado aquele que provou ter necessidade de receber alimentos daquele que tem possibilidade de prestá-los. A necessidade, assim, está relacionada, no mínimo, à alimentação, à habitação e ao vestuário, ditos alimentos naturais.
Como Romário não provou que pagou e nem apresentou uma justificativa plausível para o inadimplemento, o juiz da 2ª Vara de Família da Barra da Tijuca decretou sua prisão. Isso ocorreu, porque sua ex-mulher ingressou com a execução de alimentos pelo procedimento do artigo 733 do Código de Processo Civil, onde só poderão ser cobradas as 3 (três) últimas parcelas. O executado será citado para pagar ou justificar porque não o fez, sob pena do juiz decretar sua prisão de 1 a 3 meses.
As demais prestações, que não compuseram a cobrança de créditos, poderão ser cobradas pelo procedimento de expropriação de bens do art. 732, CPC. Nessa hipótese poderão ser cobradas acima de 4 (quatro) parcelas em atraso. Assim, o executado será citado para pagar, nomear bens a penhora, e na sua inércia caberá ao credor a indicação de bens a serem penhorados.
Além de tudo isso, o cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas (CPC 733, §§ 1º e 2º).
Aquele que dá a vida a um ser indefeso que não pediu para vir ao mundo e que é incapaz de prover a sua subsistência é obrigado a sustentá-lo até que possa fazê-lo por conta própria e o descumprimento dessa obrigação pode gerar umas das consequências mais gravosas para o ser humano que é a privação da liberdade, exceção no campo civil, prevista constitucionalmente. A prisão civil não é uma pena ao criminoso, nem meio de pagamento dos alimentos, mas sim, um instrumento de coerção que o Estado utiliza para constranger o devedor a empreender todo empenho possível para não deixar seus dependentes ao desamparo.
Dessa maneira, o Direito, por meio de suas normas, vem provar que não pode obrigar os genitores a nutrirem carinho e afeto por sua prole. No entanto, pode coagi-los a garantir, por intermédio dos alimentos, uma regular subsistência em que haja alimentação, habitação, vestuário, educação, saúde e todo o mínimo necessário para que os seus filhos cresçam saudáveis.
Camila Silva Lugão

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